Enchente assusta cidade de Goiás
Nove anos após tragédia que destruiu centro histórico, Rio Vermelho transborda na antiga capital.
Alfredo Mergulhão
Da cidade de Goiás
Nove anos após a enchente que destruiu praticamente todo o Centro Histórico da antiga capital, os moradores da cidade de Goiás voltaram a temer a força das águas do Rio Vermelho. O nível do rio chegou a subir cinco metros na manhã de ontem no trecho que passa ao lado da casa onde viveu a poetisa Cora Coralina, devido às chuvas que caíram desde a noite de domingo. Cerca de 31 residências foram atingidas pela inundação, uma ponte na Avenida Beira Rio ficou submersa e teve de ser interditada e quatro pessoas ficaram desalojadas. A previsão é de mais chuva para hoje e há preocupação com a possibilidade de novos problemas.
O transbordamento começou por volta das 9 horas e pegou os moradores de surpresa. Na véspera fez sol. Choveu fino durante a noite. E o temporal chegou com a madrugada. As águas subiram rapidamente no começo da manhã, fazendo com que comerciantes recolhessem às pressas mercadorias das prateleiras das lojas que ficam nas margens do rio.
O nível do rio aumentou no intervalo entre a ida e a volta do aposentado Nestor Marques, de 70 anos, ao supermercado. "Fui comprar carne e, quando voltei, a enchente arrastou quase 40 galinhas que tinha no quintal". Depois da chuva, ainda era possível ver algumas das aves mortas, presas nos galhos nas margens do rio.
Uma das galinhas ficou parada no quintal do funcionário público, que vai até a margem do rio. "Peguei quatro tartarugas dentro de casa e devolvi", disse. O professor Estevão Gomes Sá, de 40 anos, passou a manhã observando o curso d’água para saber se teria de deixar a casa onde nasceu e ainda vive. "O barulho da correnteza dava medo", revelou.
Logo que as águas chegaram à ponte próxima à casa de Cora Coralina, todo acervo histórico foi retirado por precaução e guardado no Convento das Dominicanas, ao lado da Igreja do Rosário. "Ensacamos e levamos tudo, com medo da água entrar", disse Antolinda Borges, a Tia Tó, ilustre moradora da cidade de Goiás. O resgate dos objetos foi realizado já com as águas do rio invadindo a rua. O local está fechado para visitação.
A força da enxurrada arrastou o calçamento de um trecho da Avenida Beira Rio e deixou parte da via destruída. Perto das 11 horas, o volume de água transpôs a Ponte do Carmo, que dá acesso ao Hospital de Caridade São Pedro D´Alcântara. Uma viga de sustentação foi rompida pela correnteza. "Não há segurança para passagem de pedestres e veículos", afirmou o capitão Ézio Antônio de Barros, subcomandante do Corpo de Bombeiros no município, justificando a interdição da passagem.
A corporação está em estado de alerta. Um reforço de 20 oficiais da equipe náutica de Goiânia chegou no começo da tarde de ontem, equipados com canoas, botes infláveis, mergulhadores e salva-vidas. Mas até a noite de ontem eles não tiveram trabalho. O nível do rio voltou ao normal por volta das 14 horas. Durante a manhã, o governador Marconi Perillo sobrevoou a cidade e a região de helicóptero.
Prefeitura tenta canal para desafogar vazão
Assim que cessou a chuva, a Prefeitura iniciou a construção de um canal para ajudar no escoamento das águas do rio, no formato de um arco. A passagem desviaria parte das águas por fora da antiga barragem da usina hidrelétrica do município, que acaba represando a correnteza. O canal não chegou a ser concluída ontem. Após a estiagem também começaram os trabalhos de limpeza. A Avenida Beira Rio estava tomada por terra arrastada junto à água barrenta do manancial. Um carro pipa da Prefeitura ajudou a lavar os locais mais afetados, como a Praça da Bandeira, onde está situada a sede do Executivo municipal.
No entanto, ainda havia o temor de novo transbordamento. O secretário de Meio Ambiente da Cidade de Goiás, Júlio Crosara, disse que para isso acontecer não precisava sequer chuva no trecho urbano do rio, mas somente na região do Ouro Fino, onde ficam as nascentes, há 12 quilômetros do centro histórico. "É uma bacia grande, com mais de 30 córregos que desaguam no Rio Vermelho", disse, olhando seguidamente para a serra que cerca a cidade, verificando se o tempo iria fechar.
Cidade colonial, Goiás foi construída nas margens do Rio Vermelho, em função da atividade mineradora. A destruição das matas ciliares e da vegetação permanente nas encostas é evidente. Quase não há espaços para o solo absorver as águas, pois está praticamente impermeabilizado. "O rio ficou estreito com as edificações. A canalização não suporta as chuvas mais fortes", disse o subcomandante dos Bombeiros, Ézio Antônio de Barros.
Dentro da cidade, o Rio Vermelho ainda recebe as águas do Córrego Monegone, que passa ao lado da Prefeitura. O prefeito Joaquim Berquó Neto mostrou à reportagem do POPULAR o local onde os dois cursos dágua se encontram. "Aqui também inundou tudo", disse o prefeito, apontando para a rua Professor Alcides Jubé. Berquó já espera os prejuízos econômicos no município, uma vez que várias pontes caíram na zona rural, o que atrapalha o escoamento. Existem 23 assentamentos na Cidade de Goiás, totalizando mais de mil famílias que recorrem ao mercado local.
O prognóstico não é bom para os próximos dias, com previsão de mais chuvas. Em todo o mês de dezembro passado, choveu na Cidade de Goiás o equivalente a 233,1 milímetros. Só nos primeiros 10 dias de janeiro as chuvas equivaleram a 313,2 mil. No final de dezembro de 2001, quando ocorreu a tragédia em Goiás, choveu durante todo o mês 346,7 milímetros, o que demonstra possibilidade de repetir os problemas. Segundo a superintendente de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Secretaria de Ciência e Tecnologia, Rosidalva Paz, a situação é cautelosa. A maior atenção deve ser à noite, quando o volume de chuva tem sido maior. "Senão vai estourar tudo de novo", disse.(A.M.)
(fonte: Jornal O Popular edição de 11 de janeiro de 2011)